quinta-feira, 14 de novembro de 2013

MEU NOME NÃO É CLEIDE, MAS ME CHAMAM CLEIDE


"Estou me sentindo doente, mas vou melhorar. Não preciso de internamento, só preciso que me respeitem. Eu queria que respeitassem o que eu sinto. Eu tomo  banho, eu me alimento, eu tomo meus remédios, eu durmo. Eu vou me curar, se Deus quiser, e ele quer." O que há de errado nesse desejo? Onde está a completa insanidade? Onde está a  necessidade de hospitalização? O chamado urgente para uma visita domiciliar, fez com que parte da equipe de saúde "perdesse" metade do seu tempo para o almoço nesse dia. Fomos ver na expectativa de algo muito sério e muito grave, pois o que se pedia era pungente: "Venham rápido ela precisa de ajuda, a família já não sabe mais o que fazer". E a gente treme na base quando a questão está na ordem da Doença Mental. Há tantas coisas implicadas que afetam o enfrentamento dessa temática! É tão angustiante quando temos que nos debruçar sobre essas patologias.! Afinal, qual o limite e a  responsabilidade da ESF diante desses casos? Como mobilizar saberes, atitudes e práticas que deem conta de amparar todas essas necessidades? E como ignorar que esses são diagnósticos que compõem a terceira morbidade entre o perfil epidemiológico da área? Não é algo que  possa ser deixado de ver. A narrativa do cotidiano de familiares foi o que pareceu mais preocupante. Na tentativa de superação, buscam os profissionais de saúde,  e o encontro é cheio de aflição. Eles bradam a inconformidade com o rompimento, com o isolamento afetivo e social, do sujeito, pelo qual ainda que, aparentemente rude, tem forte ligação parental e afetiva. Todos dizem: "Só queremos o seu bem. Queremos lhe  ver bem. Queremos que você fique boa". E dizem isso exasperadamente. Num tom que beira o precipício. A tensão desses encontros (ou desencontros) revelam uma necessidade enorme de recuperação, não só do paciente. Obriga a equipe a repensar o cuidado com o olhar focado na família. Os familiares precisam de ajuda, e muita! Foi o que vimos. Curiosamente, durante a visita a paciente era o ser mais calmo entre todos ali presentes. Ela e o médico. Ambos ouviram num silêncio quase metafísico os debates nervosos da família, todos dando receitas para a cura, ao mesmo tempo. Um mergulho na turbulência de dúvidas e conflitos. No fundo, não há aceitação fácil para lidar com o drama cotidiano de um doente mental, tanto mais quando a doença, está atingindo muito a esfera orgânica e interferindo no modo de se portar no dia a dia. Sim, porque diante deles está alguém que fala, come, responde, é jovem, não tem doença que exija ficar na cama o dia todo...e o que enxergam é a falta de coragem e ânimo, do não desejo de melhora...É desesperador ouvir tanto julgamento. Evidentemente que as dificuldades, os problemas dessa família, e seus dilemas, exigirão da equipe uma aproximação que a coloca para o centro dessa experiência, não podendo negar a infalibilidade e a necessidade de enxergar para além da doença, a história e a existência de cada um. Não há nada mais humano do que temer ao resultado disso. Nunca mais tinha ouvido nada tão humano quanto o que foi pedido por Cleide. E seus dois únicos sorrisos dirigidos a nós, durante a visita,  atingiram em cheio nossa impotência. Não só eles...nós também vamos precisar muito de ajuda.
De repente uma necessidade de ouvir um blues.

Sem comentários: