O ano era 2005, o mês não lembro agora, mas não importa. Estávamos sentados na calçada. Uma roda de conversa se formava, cada um trazendo um banco ou cadeira para um encontro na rua, numa tarde agradável. Após a acolhida de todos, começou-se o debate e os mais diversos problemas da rua, do bairro e da cidade iam sendo despejados na roda, até que uma senhora revelou algo inesperado: "Tenho vergonha de dizer onde eu moro, porque tem um lixão na entrada da rua e essa referência me deixa envergonhada". Questionou-se então, se mais alguém, que morava na mesma rua também sentia isso. Qual não foi a surpresa, muitos compartilharam do mesmo sentimento, e alguns que não enxergavam aquilo como problema, passaram a olhar a situação com outros olhos. A partir deste momento, tivemos em público uma verdadeira aula de cidadania exposta e carente em encontrar ecos nas suas reivindicações e desejos coletivos e se fez então algo que é a essência do pensamento "paulofreiriano" - a mobilização das pessoas pelo viés da compreensão de que "não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão". Todos falaram, e falaram muito, e teceram idéias, analisaram o fato, suas causas e consequências, de quem seria a responsabilidade, o que poderia ser feito, quem iria fazer, quantos poderiam participar, que ações seriam necessárias para equacionar o problema, quem, verdadeiramente, estaria disposto a se implicar. Formaram-se comissões para cuidar de cada uma das etapas. Convocaram-se os órgãos públicos de interesse, chamou-se para um encontro entes privados donos do terreno na entrada da rua, mostrou-se a reivindicação da comunidade, buscou-se envolver as escolas e outros sujeitos para "engrossar o caldo" da ação, que exigia uma mudança de postura dos moradores na sua relação com o lixo. Fez-se um trabalho de recuperação no local, retirou-se as caçambas de lixo, em caminhada foi-se em cada domicílio da rua para explicar a necessidade de não mais colocar o lixo na esquina e mantê-la livre da poluição.No dia marcado para a transformação, onde antes havia o lixo plantou-se flores, árvores, coqueiros, fez-se teatro e poemas para estimular no cidadão á ética ecológica, aquela que não cabe em si sozinha, não cabe sozinha em ninguém, todos têm que possuí-la, sob o risco de ninguém escapar no fim. Eis um relato da experiência do que são as CALÇADAS AMIGAS, importante ferramenta de utilização para o trabalho de EDUCAÇÃO SANITÁRIA E AMBIENTAL a que se propõe o PESA ( sem maiores pretensões de citar nomes de pessoas ou órgãos - eles existem, mas só são importantes quando citados na pessoa do NÓS).
E é impossível encontrar verdade maior que possa ser traduzida nas palavras de Paulo Freire assim por ele pronunciadas: "Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes." Então, é desse jeito que o PESA se revela, como programa local num bairro periférico de uma cidade linda, mas que esconde lá (nas bordas dessa cidade), seres desejantes de um mundo melhor, uma vida melhor...uma rua melhor.